quarta-feira, 30 de abril de 2025

PENSAMENTO OSCAR NIEMEYER * Partido Comunista dos Trabalhadores Brasileiros/PCTB

PENSAMENTO OSCAR NIEMEYER
O reconhecimento do trabalho arquitetônico de Oscar Niemeyer é praticamente unânime em todo o mundo. O conjunto da mídia, brasileira e internacional – por meio de extensas matérias e depoimentos de artistas e intelectuais –, tem exaltado a criatividade, a originalidade, a plasticidade e a genialidade dessa ciclópica e ecumênica obra. Certamente, poucos artistas no mundo e em todos os tempos alcançaram semelhante consagração; nas palavras de seu dileto amigo Darcy Ribeiro, “Oscar Niemeyer (será) o único brasileiro a ser lembrado, no mundo todo, daqui a mil anos”. Nesta breve homenagem, marxismo21 busca destacar qualidades e valores que nem sempre foram devidamente ressaltados nas extensas matérias dedicadas ao arquiteto: o engajamento humanista e o compromisso com os ideais comunistas. Na sintética definição de Eduardo Galeano, Niemeyer ama as curvas, mas “odeia as linhas retas e o capitalismo.”

O texto de Niemeyer publicado – informando como ele concebeu uma de suas obras engajadas –, permite-nos esclarecer um pouco de sua concepção estética e política. Como repetidamente afirmava, mais importante do que a arquitetura era a revolução. Questionando alguns críticos de esquerda no Brasil, divulgamos um artigo de um jovem arquiteto marxista; para Alexandre Benoit, o conjunto do trabalho de Niemeyer deve ser concebido como um projeto de sonhos e utopia à espera de sua efetiva realização revolucionária – que, sabia ele, não se concretizaria por meio da arquitetura. Entrevistas e vídeos integram esta homenagem ao arquiteto falecido aos 104 anos, em 5 de dezembro, na cidade do Rio de Janeiro. O desenho abaixo é um esboço do projeto da sede do Partido Comunista Francês, obra concluída em 1980. A esclarecer que o comunista, de forma solidária e generosa, nada cobrava de trabalhos militantes como este.
Não basta louvar

(sobre o projeto do Memorial Luiz Carlos Prestes)

O projeto que fiz do memorial de Luiz Carlos Prestes é, a meu ver, obra tão especial que vale a pena explicá-la um pouco.

Não tinha nenhum programa preestabelecido. O meu aniversário, uma semana antes, havia sido muito movimentado, e centenas de amigos me procuraram para me abraçar na casa das Canoas. O meu desejo era evitar tudo isso, e festejar um centenário me parecia pesado demais. Não que o passado me entristecesse, mas como me revolta lembrar as velhas amizades perdidas para sempre…

Como eu esperava, os amigos insistiram e acabei ficando o dia todo por lá, onde, sem festa nem música, atenderia os que aparecessem. E, passado tudo isso, foi no meu apartamento de Ipanema que me deixei ficar, um pouco cansado do que ocorrera, mas surpreso ao constatar que, como se tivesse estado no escritório, havia projetado o memorial de Prestes e lera dois livros extraordinários.

O primeiro é uma novela do poeta português Manuel Alegre, “Cão como Nós”, que muito me comoveu. Uma história simples de um cachorro que acompanhou o seu narrador por muitos anos e que com ele se entendia tão bem que só faltava falar. É nessa procura de comunicação, de se compreenderem melhor, que o texto se desenvolve em linguagem de qualidade literária tal que não raro pedia a Vera, minha mulher, para repetir trechos pelo prazer de os ouvir outra vez.

O outro livro, que recebi de presente do meu amigo Fernando Balbi, é uma coletânea de artigos de José Luís Fiori (“O Poder Global”), tão atualizados e esclarecedores que todo jovem brasileiro deveria conhecê-los. Fiori expõe sua posição progressista sobre as contradições do mundo globalizado e a onda neoconservadora que cresce por toda parte, com forte apoio do governo norte-americano.

Mas não foi só a leitura que me ocupou, mas principalmente o projeto que fiz do memorial de Luiz Carlos Prestes, a ser construído no Sul do país. É, a meu ver, obra tão especial que vale a pena explicá-la um pouco.

Um trabalho que não se baseou, como de costume, num programa construtivo, mas na ideia de criar um elemento principal e único: uma parede que, cheia de curvas e retas inesperadas, atravessando em diagonal um retângulo de vidro do edifício (de lado a lado), possa lembrar aos visitantes as etapas fundamentais da vida desse grande brasileiro. A fachada simples e retilínea de vidro do edifício marcaria, com a parede interna tão movimentada, o contraste que a boa arquitetura procura muitas vezes exibir.

Junto da entrada, a parede com textos e imagens começa a mostrar aos visitantes os inícios da vida de Prestes, quando, oficial do Exército, era incumbido de acompanhar obras em construção no Rio Grande do Sul – aí surge, já com 26 anos, severo como sempre foi, Prestes a reclamar da maneira pouco correta com que os trabalhos estavam sendo desenvolvidos.

Não recebendo resposta às denúncias que fazia, foi pouco a pouco sentindo que uma solução burocrática a nada conduzia, mas que os problemas do país tinham de ser resolvidos por meio de uma revolução. E a Coluna Prestes apareceu naturalmente como a única maneira de enfrentar as questões políticas e sociais existentes.

Passo a passo, os visitantes vão tomando conhecimento dessa marcha extraordinária, da coragem desse grupo de patriotas a resistir por tanto tempo às forças repressivas. Logo em seguida, Prestes é obrigado a se exilar na Bolívia e, depois, na Argentina, seguindo mais tarde para a União Soviética, quando, já sintonizado com o pensamento de Marx, dá à revolução um sentido mais amplo e universal.

A parede vai se escurecendo e, num ambiente mais fechado e sombrio, aparece o período da prisão, em que ele permanece nove anos incomunicável. E, como para agravar tanta tristeza, em 1936, sua mulher, Olga Benário, presa e grávida, é enviada criminosamente a um campo de concentração na Alemanha, onde seria morta numa câmara de gás em 1942; sua filha, Anita, após grande campanha internacional desencadeada pela mãe de Prestes, é afinal entregue à avó.

Quanta maldade! Impressionados com tanta violência, os visitantes param consternados; é a luta política com seus momentos de glória e horror. A guerra acabara. Vitoriosos, os soviéticos entram em Berlim. Um clima de otimismo se espalha. No Brasil, Prestes é anistiado, e o Partido Comunista Brasileiro conquista a legalidade. É a época dos grandes comícios, da campanha pela Constituinte.

A parede vermelha, que, de acordo com os acontecimentos, vai mudando de cor, escurece outra vez. Diante dela, comovidos, os visitantes constatam que o momento de euforia passara. Em 1947, o TSE cancela o registro do PCB e, a seguir, cassa os mandatos dos parlamentares comunistas – entre eles, Prestes. Era a reação anticomunista que recomeçava, implacável.

Prestes passa a atuar na clandestinidade. Com o golpe militar de 1964, seus direitos políticos são cassados. A história caminha para o fim. Atentos, os visitantes seguem o relato emocionante. Começa um novo exílio, que se estende até 1979; de volta, apoia as Diretas-Já, solidarizando-se com a candidatura de Tancredo Neves. O tempo passa e, altivo e corajoso como sempre, vem a morrer em 1990; postumamente, Prestes é anistiado pelo Exército e promovido a coronel.

Como arquiteto, vejo, satisfeito, que meu projeto vai contribuir para manter viva a memória de Luiz Carlos Prestes, um brasileiro que lutou em favor de seu povo, contra a miséria e a desigualdade social que, infelizmente, ainda persistem em nosso país. Reli este texto e sinto que não basta louvar o passado.

O importante é continuar essa luta por um mundo melhor que o império de Bush procura em vão obstruir.

In: Folha de S. Paulo, 11 de janeiro de 2008, p. 3.
Memorial em homenagem a três trabalhadores da CSN de Volta Redonda, RJ, assassinados em 9 de novembro de 1988 por tropas federais ordenadas pelo governo de José Sarney (1985-1990)

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Niemeyer: poeta do futuro (im)possível

Alexandre Benoit

Introdução

No ano de 1959, Mário Pedrosa redige a ata de um congresso de críticos cujo tema era a cidade de Brasília e que contava com a participação de artistas, arquitetos e intelectuais de várias partes do mundo. Nessa ata Pedrosa registra o impacto que aquela recém-criada cidade – obra de Lucio Costa e Oscar Niemeyer – representou no pensamento e na cultura ocidental naqueles anos de 1958-60. Como escreve Pedrosa, ao comentar as palavras de outro crítico, Bruno Zevi, Brasília seria “fruto dos mais audaciosos da cultural ocidental” sendo que “seu fracasso seria em parte um fracasso dessa cultura”.

Naqueles anos, outros intelectuais seguiriam o caminho de Zevi ao inscrever a construção de Brasília nas páginas da história do Ocidente, deixando para trás as interpretações recorrentes que explicavam Brasília a partir do projeto político de JK, ou como mero feito da cultura brasileira. O escritor francês André Malraux diria que “o elemento arquitetural mais importante desde as colunas gregas são as colunas do Palácio da Alvorada”. E se Zevi já falava no possível fracasso de Brasília como o fracasso da civilização Ocidental, Malraux depositava naquela cidade a redenção do Ocidente, nomeando-a Capital da esperança em seu Antimemórias. O próprio arquiteto, Oscar Niemeyer, mais de uma vez, explicaria seus palácios através do palácio dos Doges, em Veneza, construído 500 anos antes, demonstrando como sua arquitetura ultrapassa as fronteiras do Brasil.

Porém, a vasta extensão da obra de Niemeyer pós-Brasília, que lhe renderia aceitação e reconhecimento mundiais, produziu entre os críticos e, sobretudo, entre os críticos de inspiração marxista, certa desconfiança sobre o significado político e cultural daquelas formas. Neste momento em que é celebrado o centenário de Oscar Niemeyer é oportuno refazer os questionamentos sobre sua obra e perguntar: fundamentalmente, qual sua significação para além do espetáculo visual? Qual o sentido daquelas formas e espaços se pensados a partir de Marx?

De imediato, responderiam alguns críticos que, segundo uma análise marxista, Brasília e os edifícios monumentais de Oscar Niemeyer são um fiel retrato do Brasil, país que se modernizou “pelo alto”, cujas “idéias fora do lugar” (conforme, R. Schwarz) conduziram ao sonho falido do país “fadado ao moderno”. Ou então, diriam outros, como Sérgio Ferro, supostamente a desvelar o fundo falso das formas de Niemeyer, que os canteiros de Brasília revelam as marcas essenciais da irracionalidade técnica; irracionalidade que interessa ao capital e que dilacera o trabalho dos operários. Há também aqueles que denunciam esta arquitetura como aquela dos altos custos, distante dos problemas sociais, das favelas, do país “subdesenvolvido” que requer soluções mais “realistas”. Seja como for, para maioria dos críticos de uma esquerda de inspiração marxista, a arquitetura de Niemeyer – e Brasília, como sua obra máxima – expressa uma bela imagem, cuja significação está afundada em contradições.

A técnica moderna: fundamento de Niemeyer

Deixemos em suspenso, por um momento, estas críticas. Por enquanto, vamos nos deterem analisar Niemeyera partir de um elemento fundamental de seu discurso: a técnica moderna. Sobre essa questão, o engenheiro José Carlos Süssekind, calculista de Niemeyer, lembra a Catedral de Brasília: quem será capaz, ao contemplar a Catedral de Brasília, de separar o que é arquitetura do que é estrutura? E, em tantos outros exemplos, Niemeyer demonstrou como se preocupa com a técnica moderna através dos grandes vãos, os enormes balanços e as lajes finíssimas.

Mas se a Catedral de Brasília, como observa Süssekind, é uma obra em que a beleza se revela a partir da estrutura, para Niemeyer esse problema já aparece muito antes de Brasília, como no Conjunto da Pampulha, marco inicial de sua trajetória. Esse discurso arquitetônico sobre a técnica não é, entretanto, uma criação de Niemeyer. Em grande parte, a aproximação entre a técnica moderna e a arquitetura aparece nos manifestos das vanguardas artísticas do séc. XX. Sendo que no interior das vanguardas, no campo da arquitetura, o arquiteto franco-suíço Le Corbusier, mestre de Niemeyer, foi um dos precursores. continua
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Entrevista ao jornalista Geneton Moraes

Se acreditasse em todos os elogios que colecionou ao longo da vida, o arquiteto Oscar Niemeyer poderia pendurar uma placa na porta do escritório: “Silêncio! Gênio trabalhando”. Mas, não. “Doutor Oscar” devota uma olímpica indiferença às glórias terrenas. Já perdeu a conta de quantos monumentos, palácios e edifícios projetou no Brasil e no exterior. São pelo menos 150 em quinze países, sem contar o Brasil. Vem estudando astronomia com amigos, numa prova de que a curiosidade intelectual não depende de idade. A bibliografia de e sobre Oscar Niemeyer não para de ganhar acréscimos. Nesta entrevista, o homem que passou a vida se declarando ateu faz uma confissão: gostaria de acreditar em Deus. Em matéria de política, não se incomoda em ficar na contramão da história. O comunismo pode ter virado pó para quase todo mundo – menos, é claro, para Oscar Niemeyer.

Se o senhor fosse chamado a escrever um verbete sobre Oscar Niemeyer numa enciclopédia, qual seria a primeira frase?

Niemeyer: “Diria que é um ser humano como outro qualquer – que nasceu, viveu e morreu. Sou um homem comum – que trabalhou como todos os outros. Passou a vida debruçado sobre uma prancheta. Interessou-se pelos mais pobres. Amou os amigos e a família. Nada de especial. Não tenho nada de extraordinário. É ridículo esse negócio de se dar importância.

Consegui manter, a respeito dos homens, uma posição que me tranquiliza muito: vejo os homens como uma casa, em que você pode consertar as janelas, acertar o aprumo das paredes, pintar. Mas, se o projeto inicial foi ruim, fica prejudicado. Aceito as pessoas como elas são. Todo mundo tem um lado bom e um lado ruim. O homem nasce numa loteria: é bom, é ruim, é inteligente ou não. “Se a gente aceita este fato como uma condição inevitável, a gente tem de ser mais paciente com as pessoas, aceitá-las como elas são”.

Gilberto Freyre disse numa entrevista que o senhor era um arquiteto genial, mas era muito ignorante, porque passou a vida repetindo chavões marxistas. Críticos assim incomodam o senhor?

Niemeyer: “Não. Eu li Casa Grande & Senzala e gostei. É um livro muito bem escrito. Gilberto Freyre era um grande escritor…”

Mas como é que o senhor recebia essas críticas?

Niemeyer: “Cada um pensa o quer. Nunca conversei com ele. Eu me lembro de ter me encontrado uma vez – corrida – em Pernambuco”.

O senhor transmite uma visão pessimista da vida – um certo enfado diante das coisas. Como é que se justifica tanto pessimismo num homem tão bem sucedido ?

Niemeyer: “Sou pessimista diante da idéia de que o homem ,quando nasce, já começa a morrer, como notou Jean Paul Sartre. Mas, na vida, caminhamos rindo e chorando o tempo todo : é preciso, então, aproveitar o lado bom da vida, usufruir o melhor possível e aceitar os outros como eles são. Sempre digo : o importante é o homem sentir como é insignificante, é o homem olhar para o céu e ver como somos pequeninos. Ultimamente, no entanto ,tenho me espantado como a inteligência do homem é fantástica ! Tenho conversado sobre astronomia. Como é imprevisível o que ele pode criar ! .

Numa dessas conversas que tenho tido com um amigo sobre o cosmo, ele me explicou que o homem é filho das estrelas. A matéria é a mesma! Então, é mais emocionante ser filho das estrelas do que ser filho da terra. Eu sempre dizia que a vida não teria sentido, o homem é filho da terra, como os outros bichos, os outros animais. Mas acho que o futuro será melhor.

Os mais inteligentes se queixam do mundo. O mundo tem prazeres e alegrias, mas a razão de a gente estar aqui é precária. Em todo caso, ninguém quer abandonar o espetáculo.

Entre os homens, a maioria é formada pelos que lutam, os que estão sofrendo, os que são humilhados. O drama do ser humano é ver o homem nascer e morrer. Ninguém quer nem pensar sobre este assunto. Os mais ricos estão se divertindo. Não querem pensar em nada: só querem usufruir as boas coisas da vida. Os outros nem têm nem tempo para conseguir viver um pouco”. continua

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Depoimentos e vídeos
Fidel & Niemeyer acesso
Sobre o significado da obra (CEPPES entrevista o Arquiteto Comunista Oscar Niemeyer) acesso
“A vida é um sopro” (documentário) acesso
As aventuras de um sonhador acesso
Um comunista faz cem anos acesso
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Notas de entidades, intelectuais e movimentos sociais

* Nota do Comitê Central do PCB:

Oscar Niemeyer: uma legenda comunista para a história.

O mundo das artes e a cultura do trabalho perderam o legendário arquiteto e comunista Oscar Niemeyer. Figura da maior grandeza, que marcou o século XX com a sua arte e ciência, mas também com as ideias pelas quais lutava com convicção.

O arquiteto comunista, com seus traços, colocou o Brasil na modernidade do mundo. Sua obra marcou a arquitetura na Europa, na África, na Ásia, no Líbano e na América. Sua genialidade se espalhou pelo Brasil em obras que refletiam as curvas, a luz e a suavidade da liberdade no traço do concreto que era erguido pelos trabalhadores, em prol dos quais lutou por toda uma vida. Ao projetar Brasília, Niemeyer afirmava que não bastava criar uma cidade, era preciso mudar o sistema que apartava os trabalhadores de sua obra.

Mas o homem, militante comunista, tinha a estatura de sua obra. Entrou para o nosso Partido em 1945, lutou contra a repressão da ditadura militar, sendo desterrado para a França. Lá militou no Partido dos fuzilados, dos que heroicamente resistiram ao nazismo, o histórico Partido Comunista Francês, sendo o construtor da sede daqueles comunistas.

Sempre esteve ao lado do progresso da humanidade. Apoiou a revolução bolchevique e o Estado operário na URSS, sempre esteve ao lado de Cuba socialista, e quando a revolução democrática e socialista venceu a opressão na Argélia, para lá foi o militante comunista brasileiro, construir universidades e prédios para atender aos interesses dos trabalhadores.

Niemeyer esteve ao lado de gigantes do século XX: foi amigo dos comunistas Fidel Castro, Pablo Neruda, Luiz Carlos Prestes, Jorge Amado, Jean-Paul Sartre e José Saramago. Apoiou todas as lutas dos trabalhadores em seu tempo, militante sempre solidário, altivo e disposto a lutar pelo socialismo.

Quando o nosso Partido foi atacado pelo liquidacionismo, no IX congresso em 1991, lá estava ele, no plenário do auditório da UERJ para dizer: “Enquanto houver miséria e opressão, ser comunista é a nossa decisão”.

Após a ruptura com os liquidacionistas, que viraram as costas para a história, em 1992, Oscar Niemeyer foi eleito o presidente de honra do PCB.

Sua luta, sua história, seu compromisso com o marxismo e o socialismo, assim como a sua arte e ciência marcaram indelevelmente a memória do tempo presente.

Camarada Oscar Niemeyer, presente!

* Portal Vermelho do PCdoB:

Niemeyer deu nova dimensão à cultura nacional

José Reinaldo

Para ele, a vida era um sopro, considerava-se um homem comum e dizia que não representava grande coisa ter ultrapassado a idade de cem anos. O mais importante, afirmava, é a solidariedade.

No entanto, o Brasil, as nações do mundo, os movimentos sociais, os partidos de esquerda, o Partido Comunista inclinam suas bandeiras no falecimento de um dos maiores gênios da cultura brasileira, personalidade de envergadura singular e gigantesca do Brasil contemporâneo, cujo nome e obra são perenes, eternizando os melhores traços da civilização brasileira, o pensamento humanista revolucionário, a atitude generosa perante o semelhante e a vida, a ação militante na luta por uma sociedade sem a exploração do homem pelo homem, sem opressão de classe, sem guerras imperialistas de rapina – a sociedade socialista.

Niemeyer deu exemplos edificantes de dignidade. Dois dias antes da sua morte, pedia para sair do hospital, pois tinha muitos trabalhos e projetos a executar. Nunca visou a benefícios pessoais, sempre teve em mente as grandes causas sociais e a solidariedade com o ser humano.

Homem de convicções arraigadas, desde 1945, quando ingressou no Partido Comunista, até o último suspiro, foi comunista e fazia questão de proclamar seu engajamento pela causa da emancipação dos trabalhadores e de toda a humanidade.

A evolução da sua obra arquitetônica caminhou a par com a modernização do Brasil. Inspirado no impulso das forças produtivas nacionais a partir dos anos 1950 e na exuberância da natureza do País, foi parte constitutiva fundamental deste processo, do que são exemplos o conjunto arquitetônico da Pampulha, em Belo Horizonte; o Edifício Copan, em São Paulo; os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps); a Passarela do Samba, no Rio de Janeiro; o Memorial da América Latina e o Parque do Ibirapuera, em São Paulo; o Caminho Niemeyer, em Niterói; o Museu de Arte Contemporânea de Niterói (RJ), o Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba e sobretudo a majestosa Brasília, a nova capital do Brasil.

A obra arquitetônica de Oscar Niemeyer, sendo profundamente inspirada na cultura brasileira, tornou-se universal. O gênio brasileiro deixou a marca do seu talento modificando a paisagem urbana de muita cidades mundo afora, destacando-se, entre outros, o edifício-sede da Organização das Nações Unidas, a Universidade de Constantine e a Mesquita de Argel, na Argélia; a Feira Internacional e Permanente do Líbano; o Centro Cultural de Le Havre-Le Volcan, na França; a sede do Partido Comunista Francês.

Niemeyer viveu intensamente a evolução da vida política nacional. Ligou o seu trabalho às causas democráticas e patrióticas do povo brasileiro, na luta pela redemocratização do País no imediato pós-guerra, no esforço pelo desenvolvimento nacional entre 1955 e 1964, no combate à ditadura militar, na edificação da nova democracia, e nos tempos atuais apoiando com entusiasmo o novo ciclo político aberto no País a partir da eleição de Lula em 2002.

Niemeyer deu nova dimensão à cultura nacional e deixou um vivificante exemplo de luta.

* Rede internacional das redes de intelectuais e artistas em defesa da humanidade

Por toda a nossa vida sempre, Presente!

Nós, intelectuais e artistas em defesa da humanidade buscamos mil formas de dizer até. Descobrimos em Saramago uma mensagem linda no seu centenário. Decidimos navegar por ela porque navegar é preciso, viver não é preciso.

¨Creio que não se tem reparado numa das maiores diferenças existentes entre o português e outras línguas neolatinas. Um espanhol, um italiano ou um francês, no dia do seu aniversário, dirão, com uma expressão algo insegura: “Hoje cumpro xis anos”. 

Como se não tivessem bem a certeza de os haver cumprido de acordo com as regras e as disciplinas estabelecidas pelos diversos mentores sociais. Nós, portugueses, nós, brasileiros (acabo de comprová-lo no Aurélio) não cumprimos anos, fazemo-los. Já se pensou no bonito que é mexer no tempo, empurrá-lo, estendê-lo, empurrá-lo, e a isto chamo eu vida, e de repente começar a receber e-mails, cartas, chamadas telefónicas de parentes e amigos que nos dizem: “Parabéns, mais um ano”. E nós respondemos: “Bom trabalho me deu, mas aí está, feito”. Aí estão agora estes cem, feitos por Oscar Niemeyer, amassados de todas as esperanças e razões do mundo, entregues nas mãos do futuro, com estas palavras de promessa: “Aqui estive, aqui estou, aqui me encontrarão sempre”. Querido Oscar, até ao próximo ano.¨

Com estas palavras Saramago festejou o amigo de tantas primaveras.

Oscar, essência do viver, pleno de sonhos, dissipando ternura, doando-se, criando, mudando num esforço secular todas as formas de tornar o mundo mais lindo e melhor, embora costumasse dizer que a vida é mais choro que riso.
Hoje, nesta noite de dezembro estamos chorando com todos os sentidos em todas as latitudes. Como prognosticava – a vida é um sopro. E, num sopro, você partiu. Uma tristeza imensa invadiu nossos corações.

Querido amigo, mensagens de amor chegam de todos os cantos do mundo, o samba pede licença para cantá-lo, os pássaros brincam num vai-vem delineando curvas entre as montanhas que brincaram no seu pedacinho de carvão de onde saíram milhares e milhares de desenhos, de concreto retorcido, transformando tudo como se todos fossem tomar o céu de assalto. Você demonstrou que tudo pode ser mudado, moldado, que sim o mundo pode ser melhor e mais bonito.

Não vamos secar as lágrimas, não vamos deixar de dizer seu nome, nem mesmo de rir de suas brincadeiras, nem de amar desenfreadamente a vida – vamos parafrasear Saramago e repetir sempre: “Aqui estive, aqui estou, aqui me encontrarão sempre”.

Rede internacional das redes de intelectuais e artistas em defesa da humanidade
Rio, de Janeiro 05 de dezembro de 2012

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Nota da Direção Nacional do MST


Niemeyer foi um sábio, solidário e comunista! O povo brasileiro e a humanidade perderam um de seus melhores amigos que viveu ao longo do seculo 20.

Niemeyer foi mais do que um arquiteto, foi um amante da vida e um incansável defensor da igualdade entre todos os seres humanos.

Era comunista, não por doutrina. Mas porque acreditava que todos os seres humanos são iguais e que deveríamos ter as mesmas condições de vida.

Por isso, foi acima de tudo um companheiro de todos nós! Desprezava os bens materiais que a classe dominante brasileira tanto idolatra e explora a milhões, para acumular cada vez mais… Defendia e praticava os valores humanistas e, sobretudo, o da solidariedade, contra qualquer injustiça.

O MST tem um imenso orgulho de ter sido seu amigo, companheiro e ter recebido seu apoio. Teremos nele, sempre, um exemplo de vida.

Grande Oscar, seguiremos te encontrando por aí… nas suas obras e lembranças!

FONTE
*

sábado, 26 de abril de 2025

PENSAMENTO VLADIMIR MAIAKOVSKI * Partido Comunista dos Trabalhadores Brasileiros/PCTB

PENSAMENTO VLADIMIR MAIAKOVSKI
EU
(tradução: Haroldo de Campos)


Nas calçadas pisadas
de minha alma
passadas de loucos estalam
calcâneo de frases ásperas
Onde
forcas
esganam cidades
e em nós de nuvens coagulam
pescoço de torres
oblíquas
soluçando eu avanço por vias que se encruz-
ilham
à vista
de cruci-
fixos


polícias
&
ALGUM DIA VOCÊ PODERIA?

Manchei o mapa do quotidiano
jogando-lhe a tinta de um frasco
e mostrei oblíquas num prato
as maçãs do rosto do oceano.

Nas escamas de um peixe estanho
li lábios novos chamando.

E você? Poderia
algum dia
por seu turno tocar um noturno
louco na flauta dos esgotos?
&
ÀS TABULETAS

Leiam livros de ferro!
Sob a flauta, uma letra dourada
vai virar uma enguia defumada
e nabos de ouro saltarão da terra.

E se, aos latidos, as constelações
puserem a saltar suas estrelas,
as casas de sarcófagos, ao vê-las,
farão desfiles de caixões.

Quando por fim, com ares de fadiga,
os lampiões apagarem seus olhares,
morram de amores, sob o céu dos bares
pelas papoulas de faiança antiga!
&
ALGO EM PETERSBURGO

As calhas colhem lágrimas do teto,
no braço do rio riscam um grafito;
nos lábios bambos do céu inquieto
cravaram-se mamilos de granito

O céu – agora calmo – ficou claro:
lá, onde prateia o prato do mar, o
úmido condutor, a passo lento,
leva o camelo de duas corcovas do rio Neva.
&
E NO ENTANTO

A rua se arruína como o nariz de um sifilítico.
O rio é só volúpia que escorre em saliva.
Com sua roupa branca à mostra até o talo mais raquítico,
os jardins afundam em luxúria viva.

Saio para a praça,
um quarteirão de fogo
grassa em minha cabeça
como uma peruca ruiva.
As pessoas têm medo – em minha boca uiva
o tropel de um grito vomitado que não cessa.

Eu não serei nem condenado nem punido.
Meus passos serão atapetados como os de um profeta.
Todos sabem, com seus narizes em ruina,
que eu sou o seu poeta.

O juízo final me aterroriza como um bar.
Entre as casa em chamas serei o único ser
que as prostitutas levaram nos braços para oferecer
a deus, como uma relíquia, para se justificar.

E deus vai chorar lendo a poesia que eu faço.
Sem palavras, em convulsões rolantes, percorrerá comigo
os céus com meus poemas debaixo do braço
e os lerá, arquejante, de amigo em amigo.
&
A FLAUTA-VÉRTEBRA

Prólogo

A todos vocês,
que amei e que eu amo,
ícones guardados num coração-caverna,
como quem num banquete ergue a taça e celebra,
repleto de versos levanto meu crânio.

Penso, mais de uma vez:
seria melhor talvez
pôr-me o ponto final de um balaço
Em todo caso
eu
hoje vou dar meu concerto de adeus.

Memória!
Convoca aos salões do cérebro
em renque inumerável de amadas.
Verte o riso de pupila em pupila,
veste a noite de núpcias passadas.
De corpo a corpo verta a alegria.
Esta noite ficará na História.
Hoje executarei meus versos
na flauta de minhas próprias vértebras.
&
HINO À COMILANÇA

Glória a vocês, que comem por milhões!
E aos milhares que vão matar de fome!
Fabricantes de bifes, pães, salmões,
E os mil pratos de tudo o que se come.

Mesmo que cem obuses
despedacem mil Reims
há sempre coxas de avestruzes
e os bifes hão de sempre cheirar bem!

Estômagos insaciável! Terás apetite
para morrer por Eras novas?
Estômago que tudo aprovas,
exceto a cólera ou apendicite!

Em vão cobiças o toicinho
com a pupila dilatada.
Podes pôr óculos num intestino
cego, ele nunca verá nada.

Não te cai mal! Porém, se, escancarada,
há uma só boca, sem olhos, sem nuca –
poderás entupir a tua boca
com uma inteira abóbora recheada.

Sem olhos, sem ouvidos, vai, descansa
com um naco de bolo em tua mão;
qualquer dia teus filhos ainda vão
jogar bola em tua pança.

Dorme, sem que te importe a sangrenta
senha mundial. Pois, para teu deleite,
as vacas continuam a dar leite
e a carne de boi é suculenta.

Se massacrarem a última rês
e os moínhos a última reserva,
servo de teus costumes de burguês,
fabricarás estrelas em conserva.

E se de pães e bifes sufocares,
nós gravaremos em teu monumento:
“Pelos milhões de almoços e jantares,
aqui vão quatrocentos mil por centro”.
&
“INCOMPREENSÍVEL PARA AS MASSAS”

Entre o escritor
e o leitor
posta-se o intermediário,
e o gosto
do intermediário
é bastante intermédio.
Medíocre
mesnada
de medianeiros médios
papula
na crítica
e nos hebdomadários.
Aonde
galopando
chega teu pensamento,
um deles
considera tudo
sonolento:
Sou homem
de outra têmpera! Perdão,
lembra-me agora um verso de Nadson…

O operário
não tolera
linhas breves.
(E com tal
mediador
ainda se entende Assiéiev!)

Sinais de pontuação?
São marcas de nascença!
O senhor
corta os versos
toma muitas licenças.

Továrich Maiacóvski,
porque não escreve iambos?
Vinte copeques
por linha
eu lhe garanto, a mais.
E narra
não sei quantas
lendas medievais,
e fala quatro horas
longas como anos.
O mestre lamentável
repete
um só refrão:
– Camponês
e operário
não vos compreenderão.
O peso da consciência
pulveriza
o autor.
Mas voltemos agora
ao conspícuo censor:
Camponeses só viu
há tempo
antes da guerra,
na datcha,
ao comprar
mocotós de vitela.

Operários?
Viu menos.
Deu com dois
uma vez
por ocasião da cheia
dois pontos
numa ponte
contemplando o terreno,
vendo a água subir
e a fusão das geleiras.

Em muitos milhões
para servir de lastro
colheu dois exemplares
o nosso criticastro.
Isto não lhe faz mossa –
é tudo a mesma massa…
Gente – de carne e osso!
E à hora do chá expende
sua sentença:
– A classe
operária?
Conheço-a como a palma!
Por trás
do seu silêncio,
posso ler-lhe na alma –
Nem dor
nem decadência.
Que autores
então
há de ler essa classe?
Só Gógol,
só os clássicos.
Camponeses?
Também.
O quadro não se altera.
Lembra-me e agora –
a datcha, a primavera…
Este palrar
de literatos
muitas vezes passa
entre nós
por convívio com a massa.
E impige
modelos
pré-revolucionários
da arte do pincel,
do cinzel,
do vocábulo.

E para a massa
flutuam
dádivas de letrados –
lírios,
delírios,
trinos dulcificados.

Aos pávidos
poetas
aqui vai meu aparte:
Chega
de chuchotar
versos para os pobres.
A classe condutora,
também ela pode
compreender a arte.
Logo:
que se eleve
a cultura do povo!
Uma só,
para todos.
O livro bom
é claro
e necessário
a mim,
a vocês
ao camponês
e ao operário.
&
A PLENOS PULMÕES

Caros
camaradas
futuros!
Revolvendo
a merca fóssil
de agora,
perscrutando
estes dias escuros,
talvez
perguntareis
por mim. Ora,
começará
vosso homem de ciência,
afogando os porquês
num banho de sabença,
conta-se
que outrora
um férvido cantor
a água sem fervura
combateu com fervor.
Professor,
jogue fora
as lentes-bicicleta!
A mim cabe falar
de mim
de minha era.
Eu — incinerador,
eu — sanitarista,
a revolução
me convoca e me alista.
Troco pelo “front”
a horticultura airosa
da poesia —
fêmea caprichosa.
Ela ajardina o jardim
virgem
vargem
sombra
alfombra.
“É assim o jardim de jasmim,
o jardim de jasmim do alfenim”.
Este verte versos feito regador,
aquele os baba,
boca em babador, —
bonifrates encapelados,
descabelados vates —
entendê-los,
ao diabo!,
quem há-de…
Quarentena é inútil contra eles —
mandolinam por detrás das paredes:
“Ta-ran-ten-n-n…”
Triste honra,
se de tais rosas
minha estátua se erigisse:
na praça
escarra a tuberculose;
putas e rufiões
numa ronda de sífilis.
Também a mim
a propaganda
cansa,
é tão fácil
alinhavar
romanças, —
Mas eu
me dominava
entretanto
e pisava
a garganta do meu canto.
Escutai,
camaradas futuros,
o agitador,
o cáustico caudilho,
o extintor
dos melífluos enxurros:
por cima
dos opúsculos líricos,
eu vos falo
como um vivo aos vivos.
Chego a vós,
à Comuna distante,
não como Iessiênin,
guitarriarcaico.
Mas através
dos séculos em arco
sobre os poetas
e sobre os governantes.
Meu verso chegará,
não como a seta
que persegue a caça.
lírico-amável,
Nem como
ao numismata
a moeda gasta,
nem como a luz
das estrelas decrépitas.
Meu verso
com labor
rompe a mole dos anos,
e assoma
a olho nu,
palpável,
bruto,
como a nossos dias
chega o aqueduto
levantado
por escravos romanos.
No túmulo dos livros,
versos como ossos,
Se estas estrofes de aço
acaso descobrirdes,
vós as respeitareis,
como quem vê destroços
de um arsenal antigo,
mas terrível.
Ao ouvido
não diz
blandícias
minha voz;
lóbulos de donzelas
de cachos e bandos
não faço enrubescer
com lascivos rondós.
Desdobro minhas páginas
— tropas em parada,
E passo em revista
o “front” das palavras.
Estrofes estacam
chumbo-severas,
prontas para o triunfo
ou para a morte.
Poemas-canhões, rígida coorte,
apontando
as maiúsculas
abertas.
Ei-la,
a cavalaria do sarcasmo,
minha arma favorita,
alerta para a luta.
Rimas em riste,
sofreando o entusiasmo,
eriça
suas lanças agudas.
E todo
este exército aguerrido,
vinte anos de combates,
não batido,
eu vos dôo,
proletários do planeta,
cada folha
até a última letra.
O inimigo
da colossal
classe obreira,
é também
meu inimigo figadal.
Anos
de servidão e de miséria
comandavam
nossa bandeira vermelha.
Nós abríamos Marx
volume após volume,
janelas
de nossa casa
abertas amplamente,
mas ainda sem ler
saberíamos o rumo!
onde combater,
de que lado,
em que frente.
Dialética, não aprendemos com Hegel.
Invadiu-nos os versos
ao fragor das batalhas,
quando,
sob o nosso projétil,
debandava o burguês
que antes nos debandara.
Que essa viúva desolada,
— glória —
se arraste
após os gênios,
merencória.
Morre,
meu verso,
como um soldado
anônimo
na lufada do assalto.
Cuspo
sobre o bronze pesadíssimo,
cuspo
sobre o mármore, viscoso.
Partilhemos a glória, —
entre nós todos, —
o comum monumento:
o socialismo,
forjado
na refrega
e no fogo.
Vindouros,
varejai vossos léxicos:
do Letes
brotam letras como lixo —
“tuberculose”,
“bloqueio”,
“meretrício”.
Por vós,
geração de saudáveis, —
um poeta,
com a língua dos cartazes,
lambeu
os escarros da tísis.
A cauda dos anos
faz-me agora
um monstro,
fossilcoleante.
Camarada vida,
vamos,
para diante,
galopemos
pelo quinquênio afora.
Os versos
para mim
não deram rublos,
nem mobílias
de madeiras caras.
Uma camisa
lavada e clara,
e basta, —
para mim é tudo.
Ao Comitê Central
do futuro
ofuscante,
sobre a malta
dos vates
velhacos e falsários,
apresento
em lugar
do registro partidário
todos
os cem tomos
dos meus livros militantes.
&
A EXTRAORDINÁRIA AVENTURA VIVIDA POR VLADÍMIR MAIAKOVSKI NO VERÃO NA DATCHA

A tarde ardia com cem sóis.
O verão rolava em julho.
O calor se enrolava
no ar e nos lençóis
da datcha onde eu estava.
Na colina de Púchkino, corcunda,
o monte Akula,
e ao pé do monte
a aldeia enruga
a casa dos telhados.
E atrás da aldeia,
um buraco
e no buraco, todo dia,
o mesmo ato:
O sol descia
lento e exato.
E de manhã
outra vez
por toda a parte
lá estava o sol
escarlate.
Dia após dia
isto
começou a irritar-me
terrivelmente.
Um dia me enfureço a tal ponto
que, de pavor, tudo empalidece.
E grito ao sol, de pronto:
“- Desce!
Chega de vadiar nessa fornalha!”
E grito ao sol:
– Parasita!
Você, aí, a flanar pelos ares,
e eu, aqui, cheio de tinta,
com a cara nos cartazes!
E grito ao sol:
– Espere!
Ouça, topete de ouro,
e se em lugar
desse ocaso
de paxá
você baixar lá em casa
para um chá?
Que mosca me mordeu!
É o meu fim!
Para mim
sem perder tempo
o sol
alargando os raios-passos
avança pelo campo.
Não quero mostrar medo.
Recuo para o quarto.
Seus olhos brilham no jardim.
Avançam mais.
Pelas janelas,
pelas portas,
pelas frestas,
a massa
solar vem abaixo
e invade a minha casa.
Recobrando o fôlego,
me diz o sol com voz de baixo:
– Pela primeira vez recolho o fogo,
desde que o mundo foi criado.
Você me chamou?
Apanhe o chá,
pegue a compota, poeta!
Lágrimas na ponta dos olhos
– o calor me fazia desvairar –
eu lhe mostro o samovar:
– Pois bem, sente-se, astro!
Quem me mandou berrar ao sol,
insolências sem conta?
Contrafeito,
me sento numa ponta
do banco e espero a conta
com um frio no peito.
Mas uma estranha claridade
fluía sobre o quarto
e esquecendo os cuidados
começo pouco a pouco
a paLestrar com o astro.
Falo
disso e daquilo,
como me cansa a Rosta,
etc.
E o sol:
“Está certo,
mas não se desgoste,
não pinte as coisas tão pretas.
E eu? Você pensa
que brilhar
é fácil?
Prove, pra ver!
Mas quando se começa
é preciso prosseguir
e a gente vai e brilha pra valer!”
Conversamos até a noite
ou até que, antes, eram trevas.
Como falar, ali, de sombras?
Ficamos íntimos,
os dois.
Logo,
com desassombro,
estou batendo no seu ombro.
E o sol, por fim:
“Somos amigos
pra sempre, eu de você,
você de mim.
Vamos poeta,
cantar,
luzir
no lixo cinza do universo.
Eu verterei o meu sol
e você o seu com seus versos.”
O muro das sombras,
prisão das trevas,
desaba sob o obus
dos nossos sóis de duas bocas.
Confusão de poesia e luz,
chamas por toda a parte.
Se o sol se cansa
e a noite lenta quer ir pra cama,
marmota sonolenta,
eu, de repente,
inflamo a minha flama
e o dia fulge novamente.
Brilhar pra sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
gente é pra brilhar,
que tudo mais vá pro inferno,
este é o meu slogan
e o do sol.
Ator lê texto de Maiakóvski sobre papel do poeta na Revolução Russa
FOLHA DE SÃO PAULO
VLADIMIR MAIAKOVSKI